quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Nelson Werneck Sodré - o que se deve denominar de História?

Nelson Werneck Sodré - o que é História

Rio - 27.09.93

Prezado Acir da Cruz Camargo,

saúde e paz. Respondo sua carta de 16 do corrente. Fico muito satisfeito em saber de sua pesquisa sobre a minha obra. Grato por isso. A leitura dos autores que fizeram críticas à minha obra e ao ISEB é também merecedora de estima. Já tive a oportunidade de escrever que são os nossos adversários, adversários das nossas idéias, que fornecem o nosso verdadeiro perfil, justamente porque destacam o que não somos, o que é tão importante quanto o que somos. Respondo por isso com prazer ao questionário que acompanha a sua carta, ponto por ponto. Antes que me esqueça: o livro sobre populismo já foi encontrado e remete-lo-ei na próxima semana. Estou dependendo apens da pessoa que ficou de me trazer em casa exemplares desse livro. E vamos ao questionário.

1. O fato de autores da USP (só conheço um, aliás) me acusarem de seguir uma linha esquemática e estalinista não tem, para mim, a menor significação. Corresponde, apenas, a uma posição negativa que faz parte da luta ideológica. Nós, no ISEB, não postergávamos a luta de classes, absolutamente. O ISEB tinha vários professores e, conquanto, depois de grave crise, preponderasse ali uma linha marxista e nacionalista, a verdade é que ela comportava variantes. Alguns críticos, anti-isebianos por vários motivos, estavam mais à esquerda do que os isebianos, acusavam-nos, a nós do ISEB, de não sermos suficientemente esquerdistas. Acontece que eles, os críticos, não eram marxistas. Não fomos, pois, revisionistas, muito ao contrário. Voce pergunta: "Por que um marxista, num dado momento, deixa de pensar a luta de classes e sim uma aliança de classes". Ora, isso não deriva de desejos; deriva da realidade. Corresponde à necessidade de estabelecer aliança com uma classe para derrotar a outra, aquela que, na fase é, é a principal inimiga. Isso acontece com frequência na História e não depende apenas da vontade das pessoas.

2. Como conciliávamos, no ISEB, eu e os companheiros, a questão da luta de classes com a aliança com a burguesia nacional, naquela fase para enfrentar o imperialismo? O inimigo principal era o imperialismo. Os nossos críticos desejavam que, por fidelidade a um princípio teórico, abandonássemos a luta ou nos isolássemos. Havia, na burguesia nacional, contradições com o imperialismo. Isso nos aproximava dela; ou, antes, ela se aproximava de nós. Não me recordo das colocações do companheiro que escreveu Consciência e realidade nacional, livro importante que precisa ser lido com senso crítico. Claro está que jamais entendemos a aliança como esquecimento de que há uma exploração do trabalho, luta de classes. A aliança da fase não importava em ignorar isso ou negar.

3. Temos, realmente, a mais retrógrada burguesia, na História. Isso, entretanto, não importa em negar, na sua parcela nacional, contradições com o imperialismo, que é um dado da realidade. Enquanto ela aceita tais contradições, tem condições de lutar com o trabalhador, não para estabelecer o socialismo, mas para enfrentar, transitoriamente, um inimigo comum.

4. Sempre pensei que as teorias que defendi, na teoria e na prática, eram, e são aplicáveis a todos os povos latino explorados do mundo, particularmente aos latino-americanos.

5. O Fascismo cotidiano é um livro, editado em São Paulo, em 1990, pela editora Oficina de Livros (Av. Brigadeiro Luiz Antonio, 469, s. 83, cep 01317-001, São Paulo).

6. Não tenho notícias de recentes comentários, resenhas ou críticas ao meu livro Formação histórica do brasil. Isto faz parte da política de abafar pelo silêncio, usual entre nós, na luta ideológica.

7. Não tive formação universitária em História. Sou, nela, um autodidata. No meu tempo, não existiam estudos universitários de História. Não havia faculdades de Filosofia, nem mesmo Universidades, nem Institutos de Letras. E a vida militar, depois, me impediu que, mesmo adulto ou velho, me matriculasse nas que apareceram. Os de formação acadêmica me criticam e alegam essa ausência de diploma para me negar. Na verdade, o ensino de História, nas Universidades, está muito distante daquilo que eu aceito como História. É uma forma de alienação. Já dei cursos em diversas Universidades, cursos avultos. Nunca exerci a cátedra universitária, nem desejo exercê-la.

É o que me acode para responder aos quesitos propostos. Fico ao seu dispor para mais. Um abraço ao Pedro, Outro em voce do

Nelson Werneck Sodré

NELSON WERNECK SODRÉ: um general contra o neoliberalismo

Rio, 21.07.96

Prezado Acir, saúde e paz.

Respondo sua carta de 12 do corrente.

A correspondência com os amigos não representa peso para mim. Apesar dos 85 anos completados, continuo em atividade, agora, no combate à última praga que nos chega, o neoliberalismo.

A relação entre o ISEB e Paulo Freire, como a minha relação com o trabalho dele existiu de fato. Não participo da posição de Vanilda Paiva em relação a ele, apesar da consideração que tenho por ela.

Não espanta a sua dificuldade em encontrar as minhas obras. Elas estão esgotadas, na maior parte e o mercado editorial sofre a crise imposta pelo neoliberalismo. Com um pouco de paciência, creio que voce conseguirá completar a sua coleção.

Cláudio Giordano, editor benemérito e audacioso, gostaria de reeditar a História Nova mas as dificuldades são insuperáveis. A opinião do professor, que voce resume, é uma opinião: nada tem a ver com o que escrevi.

O plano econômico de FHC é uma enfermidade universal; e a Revolução brasileira vai avançar, apesar dele. Há uma ala da burguesia que, ligada ao mercado interno principalmente tem interesses no nacionalismo. E por isso vem sendo esmagada.

Abraços,

Nelson.

NELSON WERNECK SODRÉ: História nova, história e marxismo no século XX

Rio, 05.05.94

Prezado Acir da Cruz Camargo,

saúde e paz. Acuso recebimento de sua carta de 02 de maio corrente, que passo a responder. Em primeiro lugar, meus agradecimentos pela sua lembrança do meu aniversário. Na verdade, velhos não comemoram aniversários, mas é sempre bom ser lembrado pelos amigos. Claro que, no âmbito da crise geral e da crise da cultura brasileira em particular, a da Universidade é natural. Nela, por isso mesmo, a História está sendo abandonada ou posta em segundo plano. E o marxismo, em consequência, como é próprio da época.

Como você, fiquei decepcionado com o depoimento do Pedro Figueira, na edição que o editor Giordano fez da História Nova. Creio que é um problema de esclerose e nada mais. As correntes pretensamente inovadoras, no campo da História e de seu ensino, correspondem à crise da época em que vivemos e à ofensiva da reação em todos os campos. Isso passa. Não deve preocupar os que se entregam ao estudo da História enquanto ciência e ao materialismo histórico, que a colocou nos devidos termos. Quem me iniciou no estudo da História foi o meu professor dessa matéria, no Colégio Militar do Rio de Janeiro, em 1926. Ele se chamava Isnard Dantas Barreto e foi um grande professor. A História do Brasil é uma parte da História abrangendo o tempo histórico e todo o espaço. Ela é uma ciência, sem a menor dúvida, aliás, a ciência das ciências, pois a todas é possível estudar pelo método histórico. Quando tirar retrato não me esquecerei de lhe enviar uma cópia.

Abraços do

Nelson Werneck Sodré

PS. - As suas cartas não me importunam. Ao contrário.

NELSON WERNECK SODRÉ: história nova e materialismo histórico no Brasil

Rio, 18.01.93
Prezado Acir da Cruz Camargo, saúde e paz. Respondo sua carta de 08 de janeiro corrente, ponto por ponto. Agradeço as correções ao meu livro A ofensiva reacionária. Nunca sou eu quem corrige os originais ou as provas e padeço, como todo autor, do problema das incorreções no texto. É preciso ter paciência. Suas correções serão introduzidas em uma nova reedição possível. Vou lhe enviar uma obra minha que tem a relação de todos os meus livros. Não tenho cópia do artigo sobre Álvaro Vieira Pinto e o jornal Diário de Notícias desapareceu. Osvaldo Costa, um dos maiores jornalistas brasileiros, já falecido, foi o diretor e editor de O Semanário. Genese e formação da consciência nacional é o mesmo Consciência e realidade nacional, obra de Álvaro Vieira Pinto. Alceu Amoroso Lima não se recusou a falar no ISEB; trata-se de uma mentira divulgada na época. O livro publicado em Moscou tem título em russo, língua que desconheço. Não foi posto à venda no Brasil, nem foi traduzido. Pedro Celso Uchoa é, atualmente, professor na Universidade de St. Louis, nos Estados Unidos, Missouri. Foto minha só tenho antiga. Vou ver se encontro. Eu não disse que os textos do ISEB não se baseavam no materialismo histórico. Disse que os textos da História Nova é que nele não se baseavam. E disse certo, pois tais textos, embora revelem nos autores conhecimento do materialismo histórico, foram propositadamente, redigidos de maneira livre, isenta de fidelidade ao materialismo histórico, uma vez que seriam editados, como foram, pelo MEC e isso nos impossibilitava de obedecer, ortodoxamente, ao materialismo histórico. Tais textos eram alternativos, para os professores, que, sem eles, só dispunham dos compêndios de clara indigência terrível. Fazendo um trabalho para o Estado, não podíamos aplicar, a rigor, um método que o Estado não apreciava. A mente dos autores, pelo menos naquele tempo (alguns mudaram de posição) era norteada pelo materialismo histórico. Considero Formação histórica do Brasil o meu livro fundamental. Não sei se é o melhor, mas é o que assinala um rumo que seria o meu pelo resto da vida. Por último, não conheço nenhum estudo especial, em livro, sobre a minha obra. Quanto à entrevista, é preciso apenas combinar dia e hora. Pois sempre viajo. Agora mesmo estou de partida para S. Paulo, onde devo permanecer um mês. Abraços do amigo Nelson Werneck Sodré

NELSON WERNECK SODRÉ: crise na URSS e cisão do PCB

Rio, 01.08.92

Prezado Acir da Cruz Camargo, saúde e paz.

Recebi e estou respondendo a sua carta de 28 de julho p. findo. Quero, preliminarmente, lhe agradecer os termos que tão generosamente se refere ao que tenho feito. As recompensas do trabalho intelectual são poucas, na verdade. Mas, entre elas, está, com enorme importância, a de proporcionar ao autor angariar amigos que ele não conhece, que são seus amigos tão somente porque apreciaram as suas obras. É extremamente reconfortante, quando isso acontece.

Passo a responder as suas duas perguntas. Sobre o analfabetismo, e a maneira de combatê-lo: como é sabido, o analfabetismo declina na medida em que o desenvolvimento material avança; assim em sociedades capitalistas avançadas (Alemanha, Estados Unidos e outras) o analfabetismo tende a desaparecer. O nosso, o brasileiro, está intimamente ligado e dependente do atraso do país. Na medida em que avançamos, progredimos, mesmo no nível meramente material, ele tende a declinar e está declinando. Pode, pois ser erradicado, sem nenhuma dúvida. As áreas socialistas praticamente acabaram com ele. Mesmo em Cuba, com seu passado colonial, teve êxito nesse propósito e não foi isto dos menores méritos do regime ali instaurado. Claro que a alfabetização e a cidadania são sempre conjugadas.

A segunda pergunta merece resposta mais circunstanciada. Claro está que a crise na União Soviética (que foi uma crise da União Soviética e não uma crise do socialismo) acarretou consequências em todo o mundo. No Brasil, acentuando uma linha que já dera alguns sinais antes, provocou o aparecimento de uma ala, no próprio PC, que marchou para uma revisão do partido e de tudo o mais que dizia respeito a sua atuação. Essa tendência, que já existia e progredia, aproveitou a crise para realizar, em dois congressos com pequeno intervalo entre um e outro, alterações que motivaram a cisão. Pessoalmente, tenho amigos nas duas alas e fiz o possível para que não chegasse a tal cisão. Tenho muitas dúvidas sobre se a abolição do símbolo histórico da foice e do martelo e a mudança do nome do partido significam mais do que problemas superficiais. Havia necessidade de mudar, realmente, algumas formas de proceder. Mas não havia que mudar, no meu modo de ver, o essencial da conduta partidária. Estou certo de que as duas alas estarão juntas, face aos problemas essenciais que se apresentarão no cenário político brasileiro. Como estou certo de que a crise na União Soviética está longe de ter chegado ao fim: é uma novela em seus primeiros episódios. Posso lhe assegurar, de mim, que estou, mais do que nunca, aferrado ao socialismo e ao marxismo, fora dos quais não vejo saída para a sociedade humana e para a brasileira em particular.

Creia na estima e apreço do

Nelson Werneck Sodré