Rio -  27.09.93
Prezado  Acir da Cruz Camargo,
saúde e  paz. Respondo sua carta de 16 do corrente. Fico muito satisfeito em saber de sua  pesquisa sobre a minha obra. Grato por isso. A leitura dos autores que fizeram  críticas à minha obra e ao ISEB é também merecedora de estima. Já tive a  oportunidade de escrever que são os nossos adversários, adversários das nossas  idéias, que fornecem o nosso verdadeiro perfil, justamente porque destacam o que  não somos, o que é tão importante quanto o que somos. Respondo por isso com  prazer ao questionário que acompanha a sua carta, ponto por ponto. Antes que me  esqueça: o livro sobre populismo já foi encontrado e remete-lo-ei na próxima  semana. Estou dependendo apens da pessoa que ficou de me trazer em casa  exemplares desse livro. E vamos ao questionário.
1. O fato  de autores da USP (só conheço um, aliás) me acusarem de seguir uma linha  esquemática e estalinista não tem, para mim, a menor significação. Corresponde,  apenas, a uma posição negativa que faz parte da luta ideológica. Nós, no ISEB,  não postergávamos a luta de classes, absolutamente. O ISEB tinha vários  professores e, conquanto, depois de grave crise, preponderasse ali uma linha  marxista e nacionalista, a verdade é que ela comportava variantes. Alguns  críticos, anti-isebianos por vários motivos, estavam mais à esquerda do que os  isebianos, acusavam-nos, a nós do ISEB, de não sermos suficientemente  esquerdistas. Acontece que eles, os críticos, não eram marxistas. Não fomos,  pois, revisionistas, muito ao contrário. Voce pergunta: "Por que um marxista,  num dado momento, deixa de pensar a luta de classes e sim uma aliança de  classes". Ora, isso não deriva de desejos; deriva da realidade. Corresponde à  necessidade de estabelecer aliança com uma classe para derrotar a outra, aquela  que, na fase é, é a principal inimiga. Isso acontece com frequência na História  e não depende apenas da vontade das pessoas.
2. Como  conciliávamos, no ISEB, eu e os companheiros, a questão da luta de classes com a  aliança com a burguesia nacional, naquela fase para enfrentar o  imperialismo? O inimigo principal era o imperialismo. Os nossos críticos  desejavam que, por fidelidade a um princípio teórico, abandonássemos a luta ou  nos isolássemos. Havia, na burguesia nacional, contradições com  o imperialismo. Isso nos aproximava dela; ou, antes, ela se aproximava de nós.  Não me recordo das colocações do companheiro que escreveu Consciência e  realidade nacional, livro importante que precisa ser lido com senso  crítico. Claro está que jamais entendemos a aliança como esquecimento de que há  uma exploração do trabalho, luta de classes. A aliança da fase não importava em  ignorar isso ou negar.
3. Temos,  realmente, a mais retrógrada burguesia, na História. Isso, entretanto, não  importa em negar, na sua parcela nacional, contradições com o imperialismo, que  é um dado da realidade. Enquanto ela aceita tais contradições, tem condições de  lutar com o trabalhador, não para estabelecer o socialismo, mas para enfrentar,  transitoriamente, um inimigo comum.
4. Sempre  pensei que as teorias que defendi, na teoria e na prática, eram, e são  aplicáveis a todos os povos latino explorados do mundo, particularmente aos  latino-americanos.
5.  O Fascismo cotidiano é um livro, editado em  São Paulo, em 1990, pela editora Oficina de Livros (Av. Brigadeiro Luiz Antonio,  469, s. 83, cep 01317-001, São Paulo).
6. Não  tenho notícias de recentes comentários, resenhas ou críticas ao meu livro  Formação histórica do brasil. Isto faz parte da política de  abafar pelo silêncio, usual entre nós, na luta ideológica.
7. Não tive formação  universitária em História. Sou, nela, um autodidata. No meu tempo, não existiam  estudos universitários de História. Não havia faculdades de Filosofia, nem mesmo  Universidades, nem Institutos de Letras. E a vida militar, depois, me impediu  que, mesmo adulto ou velho, me matriculasse nas que apareceram. Os de formação  acadêmica me criticam e alegam essa ausência de diploma para me negar. Na  verdade, o ensino de História, nas Universidades, está muito distante daquilo  que eu aceito como História. É uma forma de alienação. Já dei cursos em diversas  Universidades, cursos avultos. Nunca exerci a cátedra universitária, nem desejo  exercê-la.
É o que me acode para  responder aos quesitos propostos. Fico ao seu dispor para mais. Um abraço ao  Pedro, Outro em voce do
Nelson Werneck  Sodré